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Miguel JeriDizia um amigo meu que "é mau hábito habituarmo-nos". Teremos parado para pensar que obscura razão está por detrás do facto de perdermos continuamente qualidade de vida? Há anos, anos e anos que perdemos em todas as dimensões possíveis: perdem-se empregos, perdem-se serviços, perde-se poder de compra, perde-se vida. Mas o pior não é isso: o verdadeiramente assustador é a naturalidade com que começamos a encarar o facto.

Há 10 anos, em 1999 tínhamos uma maternidade de serviço ao concelho, um serviço de urgências onde nos poderíamos dirigir e ter assegurado tratamento, um serviço de pediatria onde poderíamos levar as nossas crianças para internamento pediátrico. O séc. XXI estava próximo, e 2009 parecia um ano longínquo. Quem seria capaz de adivinhar que em apenas 10 anos teríamos um hospital sem a maternidade que tínhamos, sem pediatria e ainda sem serviço de urgências funcional?

O que se constatou foi que o grande progresso prometido pelo PS e PSD seria marcado não só pela ausência de melhoria nos serviços públicos, mas por decisões verdadeiramente assassinas para estes mesmos serviços. Incapaz de uma política que desenvolvesse a economia real, limitado pelos interesses dos grandes grupos económicos que colocam em causa o desenvolvimento efectivo do país, o certo é que o Governo sabe bem quem faz pagar pelas suas opções políticas. Numa palavra, o povo; em muitas, os trabalhadores, os estudantes, professores, reformados, os utentes do SNS e tantos outros serviços públicos.

 

À primeira vista, a posição das autarquias PS e PSD podem ser difíceis de compreender. Umas opõem-se à perda de serviços. Outras no entanto são coniventes com a mesma. O que as diferencia? Observando o mapa à lupa, percebemos que não é uma distribuição ao acaso. As autarquias rosa primam por uma política de conivência com as decisões do poder central, mesmo que estas lesionem objectivamente a qualidade de vida dos seus munícipes. As autarquias laranja, como se nos quisessem iludir, ainda se opõem – mas alguém duvida que fariam o mesmo se tivéssemos o PSD no Governo? Vivendo numa autarquia dirigida pela PS, tivemos de nos render à evidência. Os esforços foram poucos ou nenhuns, os serviços foram saindo e hoje em dia somos confrontados com horas de fila de espera no Hospital da Feira. Em Ovar, quando encerraram as urgências, quando é que vimos o nosso executivo camarário (vereadores do PS, do PSD ou eleitos pelo PS e agora do BE) fazer jus ao voto em si confiado e opor-se de cabeça levantada à retirada de mais uma valência do seu hospital?

Também ao nível da cultura a Câmara mostrou as suas insuficiências. Após vários mandatos prometendo o Centro de Artes – finalmente construído em ano eleitoral – o certo é que não há uma política de plena fruição cultural. Nestes quatro anos a Câmara limitou-se a uma oferta esporádica mas que nunca foi acompanhada por uma estratégia que incentivasse a população a ter um papel activo na oferta cultural da cidade, levando-os a produzir cultura, numa cidade que conta com um sem número de colectividades, grupos de teatro, dança, etc que deveria ser mais valorizada.

Apesar de alguns esforços feitos na manutenção dos edifícios escolares, não podemos ignorar a negligência da Câmara relativamente a muitos outros que trabalharam durante anos em precárias condições. O estado das Escolas dos Combatentes e da Escola da Ponte Nova – levantados pela CDU em sede de Assembleia Municipal – são apenas uma amostra. No primeiro caso, a escola funcionou durante meses transformada num estaleiro com a caricata situação de termos um quadro eléctrico pendurado numa árvore, num recreio onde brincavam crianças, e onde também se poderia dizer que se brincou com a segurança das crianças. No segundo caso chegou a haver casas de banho sem portas, infiltrações de água generalizadas e chegou-se ao extremo de serem vistos roedores nas salas. Na Escola Primária da Habitovar foi a Associação de Pais que assumiu algumas das reparações mais urgentes. Não são exemplos para chocar; são sim para se perceber ao estado em que as coisas não devem chegar. Também não são para provar alguma má intenção da Câmara, o que seria inaceitável, mas tão só a inoperância desta relativamente às suas próprias obrigações.

 

No saneamento, o caso já é diferente. Como ponto prévio, gostava de relembrar que grande parte das autarquias CDU já resolveram este problema básico nos anos 80. Mesmo considerando variações geográficas populacionais relevantes – nível de dispersão das habitações, existência de arruamentos, terrenos – o certo que é começa a ser um bocadinho estranho que em pleno séc. XXI, um terço de século após o 25 de Abril, o saneamento apenas abranja 50% da população do concelho. É uma promessa de que o executivo PS gosta particularmente; tem-lhe tanto apego que tem uma dificuldade notória em separar-se dela, nunca a cumprindo e prometendo-a novamente nas eleições seguintes. Não nos iludamos: PS e PSD não diferem significativamente na sua forma de fazer política. Há partidos que, uma vez à frente das autarquias, preferem gastar milhões em show-off de apelo ao voto fácil que utilizá-los em infraestruras de saneamento, por muitos benefícios que desse à população – em especial a mais pobre. De relembrar que mesmo não estando presente na Câmara, a CDU propôs uma redução das taxas de ligação como forma de incentivar a ligação e torná-la sustentável do ponto de vista económico.

O concelho quase parou no tempo. Muito há a mudar; essa mudança deve estar sem dúvida patente no nosso voto, mas também na nossa actividade nos próximos quatro anos. Se a população não se interessar pela política, alguém se interessará por ela mas não necessariamente segundo os seus legítimos interesses.

Urge participar e envolvermo-nos seja nos partidos políticos, pilares da democracia, seja nas associações, nas colectividades e movimentos, prestando atenção constante à situação da autarquia para que ninguém decida por nós ou nas nossas costas. Ter em mente que o desinteresse da população na política serve interesses bem pouco democráticos. Dizer um não claro à alienação. Porque é mau hábito habituarmo-nos, especialmente se nos habituarmos a este marasmo.

Miguel Jeri Correia de Sá
Candidato da CDU à Câmara Municipal de Ovar