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Alice JeriQuem é do tempo do café a 60 escudos, dificilmente pensa na ideia de União Europeia sem o franzir de sobrolho correspondente aos actuais 60 cêntimos que a mudança para o Euro rapidamente reclamou.

Não foi aliás, só a bica que isto da Europa inflacionou: falo, como é natural, da inflação das licenciaturas. “No meu tempo”, uma licenciatura dava direito a estágio pago, usar “Dr.” antes do nome e abria a perspectiva de um futuro risonho e profissionalmente seguro. Hoje, ter só uma licenciatura é passe directo para a caixa do Continente, e haja cunha!

 

Que se passou então, de há dez anos para cá, para explicar esta súbita queda do “valor de mercado”, da licenciatura? A resposta é amplamente conhecida: Processo de Bolonha.Sob o pretexto de “harmonizar a arquitectura do sistema Europeu de Ensino Superior”, os cursos foram divididos em ciclos de estudos progressivamente mais caros e portanto menos acessíveis aos estudantes com menos recursos. O primeiro ciclo, licenciatura, só por engano se pode confundir com as antigas licenciaturas, durando em média três anos e dotando os estudantes de competências essencialmente técnicas e profissionalizantes; no chamado mestrado são ministrados os conteúdos mais científicos, ficando o estudante com competências correspondentes às da anterior licenciatura; o ciclo seguinte será um doutoramento, indispensável, por exemplo, à docência universitária.

Não é ingénua esta divisão hierárquica: o primeiro ciclo, mais acessível, é notável pelo primado do ensino de “competências”- ignorando a importância de uma formação integral e crítica, missão essencial do Ensino Superior. Cria-se assim uma ampla massa de jovens licenciados que por muito competentes que se apresentem, dificilmente são reconhecidos pelas respectivas “ordens” ou “associações profissionais” - direito agora quase exclusivamente reservado aos mestrados. E é neste passo que a porca torce o rabo: apesar de uma parte dos mestrados serem integrados (de custo e frequência equiparados ao da licenciatura), uma boa parcela “vende” o conhecimento em falta por maquias mais ou menos elevadas (alguns já chegam aos 18.000€/ano…!). E é desta forma que debaixo do verniz da modernização, o Estado se retira de mansinho das suas obrigações de financiamento do Ensino Superior, que deveriam passar por garantir o seu justo e amplo acesso, trave-mestra para uma sociedade verdadeiramente democrática e de olhos postos no futuro.

Comprometendo a qualidade e acessibilidade do ensino, oferece-o sofregamente aos interesses económicos que passam a dominar a formação das pessoas consoante as suas regras e necessidades de exploração de uma mão-de-obra que sendo barata e sem formação crítica não pode aspirar aos cargos dirigentes reservados aos seus colegas mais afortunados, com os seus mestrados e doutoramentos.

E é assim que o Ensino Superior Público se torna cada vez menos Público - e Superior só para quem pode! Torna-se mais um espelho da cratera entre ricos e pobres, em vez de uma ferramenta para a aplainar.

Falando em interesses económicos, há muito que eles rondam a porta das Universidades, vedadas pelo seu carácter constitucionalmente público. O problema foi contornado no novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES ), que coloca representantes dos grupos económicos directamente nos órgãos de gestão de Universidades e Faculdades. É ver o representante do BPI Em Coimbra, da Simens e da Unicer em Aveiro, da farmacêutica Bial no Porto – só para dar parcos exemplos. Mas o novo RJIES faz mais: concentra abundantes poderes nas mãos do Reitor (nomeado pelos órgãos de representação, onde estas personagens representam 30%); e afasta com decisão os estudantes, que de um mínimo de 30% passam a um máximo de 20%. Ainda assim talvez a melhor acrobacia deste Regime seja a possibilidade de passagem das instituições públicas à esfera do direito privado, como “fundações públicas de direito privado”.

Bem somadas as parcelas, temos por um lado o Estado a afastar-se da sua obrigação de financiar o ensino, por outro os grupos económicos de pés fincados nos órgãos de gestão das instituições de ensino. Está bom de ver quem paga a conta e quem fica com os lucros.

Tamanha injustiça, digna de um mundo ao contrário, devia ser imediatamente repudiada! – dirão vocês. Por quem? Quem erguerá bandeiras indignadas e firmes? Só as vítimas da injustiça têm na sua mão o poder de a derrubar. São os estudantes de formação interrompida pela falta de dinheiro, são os trabalhadores que sentem no corpo o peso dos sacrifícios feitos para dar um melhor destino aos filhos - numa ilusão tantas vezes lograda. Os actores da mudança somos nós, que sonhamos e trabalhamos por um futuro mais justo. Lembrando as palavras de Bertold Brecht:

“De quem depende que a opressão prossiga?
De nós.
De quem depende que ela acabe?
Também de nós.”

Quem está connosco sabemos bem: é a força que esteve nas ruas e nas escolas, dando força e coragem, durante todos os anos de mandato e de lutas; é a força que esteve na assembleia da república onde nos seus 35 Projectos de Lei, 8 Projectos de Resolução Política, 7 Apreciações Parlamentares e incontáveis perguntas e requerimentos - decididamente defendeu o ensino público, gratuito e de qualidade. É a força que esclareceu, mobilizou, apoiou e fez sua, esta luta que é de todos.

É por isso que no próximo dia 17, o meu apelo é ao voto, sim, mas um voto decidido e consistente, um voto que reconhece o trabalho mas sobretudo um voto que dá mais força a todos nós. O voto na CDU!

Alice Jeri
Candidata da CDU à Assembleia de Freguesia de Ovar