Intervenção de Miguel Tiago, deputado do PCP, na Sessão Solene do 34º aniversário do 25 de Abril.


Sr Presidente da República,

Sr Presidente da Assembleia da República,

Sr Primeiro-Ministro,

Srs Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional,

Capitães de Abril,

Srªs e Srs Convidados,

Srªs e Srs Deputados,

Foi no dia 25 de Abril de 1974 que o Povo Português emergiu de um dos mais negros períodos da sua História, derrubando o regime fascista e iluminando o rumo do progresso sobre os escombros de uma ditadura desumana. Mas o 25 de Abril de 1974 não foi apenas um dia. Foi o resultado de décadas de luta abnegada, corajosa e perseverante do povo português que, mesmo nas condições mais adversas, mesmo sob o jugo da censura, da tortura e da repressão mais brutais, construiu o caminho da revolução.

Luta que é exemplo maior das capacidades criativas do Povo, que sempre contou com o estímulo e o empenhamento do Partido Comunista Português, Partido que nunca cedeu nem desistiu perante as mais esmagadoras tentativas de silenciamento.

Foi o resultado da vontade dos homens que, nas Forças Armadas, reflectiam os sentimentos mais legítimos do povo e que assumiram em suas mãos a missão de lhes dar expressão.

 

- Daqui saudamos os Militares de Abril. -

Abril é o caminho que a luta abriu e que Portugal trilhou e institucionalizou com o contributo inestimável de muitos que homenageamos com particular entusiasmo e alegria.

É essa conjugação de factores: luta, libertação e institucionalização de conquistas que produz os efeitos mais importantes da revolução democrática: a consagração da liberdade, da democracia, da livre organização política e partidária, do direito de manifestação; mas também de direitos sociais que colocaram Portugal na senda do progresso e do bem-estar; o direito à educação pública, o direito à saúde, o direito à habitação, o direito ao trabalho e os direitos no trabalho, o direito à criação e fruição culturais, o direito ao desporto e todo o vasto conjunto de direitos que hoje consideramos elementares, estejam embora muitos por cumprir e outros sob um fogo cerrado.

A reforma agrária, as nacionalizações e a verdadeira construção de um Estado ao serviço do povo foram elementos políticos de dimensão estrutural e essenciais para o desenvolvimento do país, para que Portugal se erguesse esse afirmasse.

Trinta e quatro anos passados não foram os suficientes para destruir Abril, tal a dimensão e significado dessas conquistas, tal a envergadura da luta que trabalhadores, homens, mulheres e jovens erguem diariamente contra os mais despudorados ataques à Constituição da República Portuguesa de Abril, promovidos pelos grandes interesses económicos e pelos Governos que lhes asseguram o privilégio e a impunidade em cada situação.

E essas são lutas que se intensificam, apesar das tentativas de branqueamento histórico, de eliminação da consciência colectiva e de supressão da participação popular, apesar das tentativas de apagar Abril dos currículos escolares; apesar das limitações às liberdades e dos atropelos aos direitos políticos e sociais – as perseguições a dirigentes e activistas estudantis, sindicais e partidários, os despedimentos de sindicalistas e trabalhadores - ; apesar das tentativas de reabilitação da figura de Salazar, obliterando que foi o fascismo o regime que condenou Portugal à posição de País mais atrasado em toda a Europa; apesar do estrangulamento e desmantelamento dos serviços públicos e da “demonização” do próprio Estado e suas funções sociais.

 

Sr Presidente

Srs Deputados

Comemorar Abril não se faz um dia por ano.

Comemorar Abril é defender e aprofundar as suas conquistas económicas, sociais, culturais e políticas a cada dia.

A desfiguração do regime democrático, a obsessão pelo “Estado peso-pluma”, a promiscuidade entre os interesses privados e o exercício de cargos públicos, a submissão do poder político ao poder económico são apenas exemplos da forma como se actua à margem da Constituição da República Portuguesa de Abril.

É esta política de refluxo histórico e reconstituição de privilégios das elites, aliada a uma política de subserviência ao directório das grandes potências europeias, bem patente na ratificação parlamentar de um Tratado que aprofunda o rumo neo-liberal, federalista e militarista da UE, contra a própria Constituição da República Portuguesa e empurrando o País para uma situação cada vez mais distante da realização do seu potencial económico e social – Há um pendor quase provocatório na ratificação do Tratado dois dias antes da data da libertação nacional e da afirmação da soberania do nosso povo, alienando agora importantes dimensões da soberania nacional conquistada então. Não é projecto de Abril entregar os poderes de decisão nacionais e a gestão do património do nosso povo a interesses supranacionais que cada vez mais determinam os rumos do nosso país!

 

São estas políticas de regresso ao passado que colocam Portugal como o país mais assimétrico da União Europeia, onde cresce diariamente o fosso entre os mais ricos e os mais pobres. São estas políticas que desmantelam o aparelho produtivo nacional e degradam a qualidade de vida da população.

O desemprego, a precariedade laboral, os baixos salários e a fragilização dos direitos laborais são pragas sociais objectivamente estimuladas para satisfazer os desejos, não das pessoas, dos trabalhadores, mas dos grandes grupos económicos que apresentam lucros sempre crescentes nestes tempos chamados de crise.

O direito ao Trabalho, direito fundamental e estrutural do Portugal de Abril, é posto em causa por uma prática política cada vez mais retrógrada. Com desdém pelas conquistas do povo, o Governo apresenta em vésperas destas comemorações, as propostas de alteração ao Código do Trabalho que tomam o partido do lado mais forte. O Governo adianta propostas que mais não fazem senão agravar o Código, sempre enfraquecendo a posição dos trabalhadores, agilizando os despedimentos e acentuando a desarticulação de horários, desregulamentando ainda mais as relações laborais.

 

O ataque a Abril é feito em todos os vectores da política nacional, por este ou aqueloutro Governo, à vez:

O ataque aos trabalhadores da Administração Pública é a primeira vertente da desresponsabilização do Estado perante as suas funções constitucionais, traçadas em Abril como garantias para a manutenção e consolidação da própria democracia.

A juventude, especialmente defendida na própria Constituição, é a linha da frente das novas gerações sem direitos, de mão-de-obra barata e descartável e é também a camada mais atingida pela privatização do Ensino e da Acção Social Escolar e pela ausência de uma política de habitação que assegure a todos a emancipação e autonomização.

Os reformados e pensionistas, actuais e futuros, vêem ser-lhes retirados os direitos que conquistaram, com a sua própria luta, trabalho e esforço.

Paralelamente promove-se uma política de concentração de riqueza, que enfraquece o tecido empresarial e produtivo português, acantonando-o às grandes empresas, nomeadamente às de actividade financeira e especulativa, esmagando as micro, pequenas e médias empresas, e desmantelando a produção agrícola, elementos estruturais da economia portuguesa.

 

A Educação Pública, Gratuita e de Qualidade, instrumento nuclear para a emancipação, para a formação integral dos indivíduos é alvo de um ataque sem precedentes. A democratização do Ensino deixa agora de ser um objectivo. Este como os anteriores governos, prossegue uma política de elitização, de aumento dos custos da Educação, de diminuição da qualidade do Ensino e de privatização e empresarialização desta importante função social do Estado.

A gestão do território nacional, longe de se aproximar das populações e de ser guiada pelas suas necessidades e anseios, longe de ser orientada pelo desenvolvimento harmonioso de todas as regiões do país, é substituída por uma venda à peça dos recursos naturais, entre os quais os solos e a água, mesmo à custa do desenvolvimento e do abandono da terra e do interior do país.

Ao contrário do que querem fazer crer, a juventude portuguesa é a juventude de Abril, activa e resistente, criativa e empenhada na construção de um país cada vez mais justo e fraterno, desenvolvido em todas as vertentes da democracia semeada pelos construtores de Portugal libertado: política, económica, social e cultural. E embora cada vez mais atacada, cada vez menos protegida, a juventude de hoje transporta o que de mais valioso existe nas gerações passadas.

Aqueles que minimizam o papel dos jovens, dos que estudam e dos que trabalham, fazem-no porque sabem que a juventude enquanto força social, transporta um generoso contributo para a necessária ruptura democrática e de esquerda com as políticas de direita que têm conduzido o país e o povo a uma continuada degradação.

 

Abril é do Povo, e se este Governo não está com Abril, não estará certamente com o Povo! E por isso a luta assumiu os momentos mais altos da participação democrática nos últimos tempos – como tornará a fazer hoje na Avenida da Liberdade e já no próximo 1º de Maio - envolvendo largos milhares, de operários, de professores e trabalhadores dos mais variados sectores, de estudantes, de agricultores, de reformados e de tantas outras camadas da população.

Abril é a resposta para os problemas estruturais do país: uma política de esquerda que assuma a construção de Portugal como país livre e soberano, capaz de decidir e percorrer os seus próprios caminhos.

Mais cedo que tarde, o Povo encontrará na esperança de Abril o futuro do nosso país. E serão cravos os alicerces dessa construção.

 

“Isto vai meus amigos isto vai

o que é preciso é ter sempre presente

que o presente é um tempo que se vai

e o futuro é o tempo resistente”

 

Viva o 25 de Abril!